Se o uso de esteroides anabolizantes sem real necessidade
médica é prejudicial à saúde, o consumo dessas substâncias torna-se ainda mais
nocivo se tiverem sido produzidas de forma clandestina. O alerta é de
especialistas e autoridades de saúde, na esteira de uma operação policial no
Rio de Janeiro e em Brasília, que desarticulou uma quadrilha especializada na
fabricação e venda desses produtos em todo o Brasil.
A ação terminou com 15 pessoas presas e mais de 2 mil
frascos de anabolizantes apreendidos na última terça-feira (14). Os criminosos
comercializavam os produtos pela internet. Segundo a investigação, o processo
de fabricação não passava por fiscalização e continha até uma substância
utilizada para matar piolhos, o benzoato de metila.
O diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia, Clayton Dornelles, lamenta que o uso dessas substâncias ilícitas
tenha se tornado muito comum. “Tem um mercado clandestino”, constata.
“Essas substâncias podem ter doses erradas, ingredientes não
declarados, contaminantes. Tudo isso pode potencializar os efeitos colaterais
que já são próprios dos esteroides anabolizantes”, destaca o médico, em entrevista
à Agência Brasil. Entre os principais efeitos nocivos, ele cita a toxicidade
desconhecida. “Esses produtos podem ter substâncias altamente tóxicas para
fígado, rim, coração... a gente já viu até tempero de cozinha, óleos absurdos
na manufatura desses compostos.”
Segundo Dornelles, a produção desses medicamentos falsos é
feita sem controle de qualidade, em local insalubre – muitas vezes em garagem
ou fundo de quintal – e com perigo de contaminação. “Isso pode trazer infecção
grave”, afirma.
O médico acrescenta que o usuário de substâncias
clandestinas está submetido a falha terapêutica, ou seja, que o paciente que
tenha indicação médica para usar o produto não terá o benefício proposto. O
consumo desses esteroides pode deixar o paciente sujeito a efeitos adversos
imprevisíveis, como, por exemplo, reações alérgicas. “Ali tem uma mistura de
várias substâncias, aditivos, compostos químicos.”
Dornelles ressalta que boa parte de tais medicamentos é de
origem veterinária, literalmente doses cavalares, o que “potencializa bastante”
o risco.
Indicação restrita
Medicamentos classificados como de uso controlado, os
esteroides androgênicos anabolizantes são substâncias sintéticas (fabricadas)
derivadas do hormônio testosterona, o chamado “hormônio masculino”, que dá
características como barba, cabelo e pelos. Também se caracteriza pela
capacidade anabólica. “Estímulo da síntese de qualquer proteína, principalmente
a proteína muscular, por isso é que crescem os músculos”, explica Dornelles.
Popularmente, essas substâncias também são chamadas de “bombas”.
A lei determina que apenas médico ou dentista pode receitar
anabolizante.
A indicação médica de consumo de anabolizantes é bastante
específica. A principal é no caso de homem que tem deficiência de testosterona
(hipogonadismo). Há ainda indicações para casos de queimaduras severas e alguns
tipos de câncer.
“Uma indicação de exceção, não de rotina”, enfatiza o
médico. Outro uso especifico é em pessoas com incongruência de gênero.
“As indicações aprovadas para os medicamentos anabolizantes
são aquelas que constam nas bulas. Outras indicações não foram analisadas e não
estão autorizadas”, reforça a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), órgão ligado ao Ministério da Saúde, em comunicado enviado à Agência
Brasil.
Venda clandestina
De acordo com a Anvisa, a venda de anabolizantes é permitida
somente em farmácias e drogarias devidamente regularizadas e mediante
apresentação de receita especial. Qualquer medicamento anabolizante que não
esteja autorizado pela Anvisa é um produto ilegal. Quadrilhas tentam burlar a
proibição de venda livre de esteroides. Em 2023, uma operação da Polícia
Federal percorreu seis estados.
Para evitar que o paciente seja enganado na hora de comprar
esteroide devidamente receitado, a Anvisa faz as seguintes recomendações:
- Suspeite de produtos recebidos fora da embalagem original.
Todos os medicamentos são fornecidos dentro de caixinhas de papel;
- Suspeite de produtos que são comercializados em sites que
não sejam de farmácias e drogarias regularizadas. Evite sites em geral e
marketplaces, vendedores ambulantes, carros de som ou outros estabelecimentos
que não podem comercializar medicamentos. É que os produtos vendidos nesses
locais têm procedência incerta e podem ser falsificados;
- Fique atento a indicativos de falsificação, como erros de
português na embalagem; falhas na impressão das informações; diferenças nas
datas de fabricação e de validade e no número do lote entre a embalagem
primária (ampola, blister, frasco) e a embalagem secundária (caixinha de
papel); raspadinha que não aparece a logo da empresa; e ausência de lacre de
segurança ou falha na colagem da embalagem secundária.
Uso indevido e danos
O médico Clayton Dornelles ressalta que mesmo o produto
legalmente fabricado deve ser usado apenas nas condições especificadas por
médicos. “Nunca para fins estéticos, ganho de performance, uso recreativo,
melhora da performance sexual, crescimento de massa muscular,
antienvelhecimento, nada disso.” Para ele, os riscos são maiores que qualquer
benefício.
Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbe a
prescrição médica de terapias hormonais com esteroides androgênicos e
anabolizantes para fins de estética, ganho de massa muscular ou melhora do
desempenho esportivo.
Segundo Dornelles, os riscos causados pelo uso sem indicação
são tantos que “dão um livro”. Ele cita males como infarto, arritmia,
insuficiência cardíaca, alteração da resistência insulínica, que favorece a
diabetes, trombose, embolia, hepatite medicamentosa, tumores de fígado,
infertilidade, impotência e redução de libido, masculinização em mulheres,
engrossamento de voz feminina (irreversível), irregularidade menstrual e malformação
fetal.
Homens e mulheres podem ter acne severa, pele oleosa,
crescimento de pelos e queda de cabelo. Indivíduos predispostos têm mais risco
de tumores de mama e de próstata.
Há ainda questões cerebrais psicológicas como
irritabilidade, ansiedade, depressão e agressividade. “A gente vê casos até de
feminicídio, violência doméstica pelas doses muito altas de testosterona no
cérebro”, conclui Dornelles.