A festa junina é o evento mais citado entre os moradores das
capitais brasileiras que disseram ter frequentado uma festa popular no período
de um ano, revela o levantamento Cultura nas Capitais. A pesquisa foi feita
pela JLeiva Cultura & Esporte, com patrocínio do Itaú e do Instituto
Cultural Vale, por meio da Lei Rouanet.
O estudo sobre hábitos culturais dos brasileiros constatou
que 78% dos frequentadores de eventos populares nas capitais participaram de
festas juninas nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa e que 48% foram a
desfiles ou participaram de blocos de carnaval. “Em nenhuma capital, o carnaval
apareceu à frente da festa junina para essa pergunta. No Recife, a diferença
estava na margem de erro – festa junina
com 74% e carnaval com 71%. Nas demais capitais, a diferença superou os 10
pontos percentuais”, disse João Leiva, diretor da JLeiva Cultura & Esporte.
Em entrevista, Leiva afirmou que isso pode ser explicado
pelo fato de as festas juninas serem mais descentralizadas que o carnaval,
sendo realizadas inclusive em escolas e igrejas católicas e reunirem também um
público mais amplo e diverso. Além disso, as festas juninas acabam se
estendendo por um período maior do ano, destacou.
“Essa característica – incontáveis eventos distribuídos por
quase todas as regiões – ajuda a aumentar o acesso. Por outro lado, mesmo as
festas juninas de grande porte, em grandes espaços, não chegam a ter tanto
alcance midiático quanto os grandes blocos e desfiles de carnaval. Ou seja: as
festas juninas, somadas, têm mais gente, mas menos fama”, disse o pesquisador.
Sertanejo é o gênero favorito
A mesma pesquisa apontou o sertanejo como o gênero musical
favorito em 15 das 27 capitais brasileiras, tendo sido citado por mais de um
terço dos entrevistados (34% do total) entre seus três ritmos prediletos,
superando até mesmo a soma entre o samba (11%) e o pagode (18%). O pagode
aparece na quinta posição entre os ritmos mais citados, abaixo da MPB (27%), do
gospel (24%) e do rock (21%) e acima do pop (17%), do forró (16%) e do funk
(11%). Já o samba é o oitavo, à frente do rap (9%).
“O gosto musical varia muito com a idade, mas o sertanejo
tem uma característica interessante: em todas as faixas etárias, ele é
relevante. É o mais ouvido em todos os grupos, com uma exceção. Lidera de 25 a
34 anos (35%), de 35 a 44 anos (35%), de 45 a 59 anos (36%) e de mais de 60
anos (33%). O sertanejo só não é o primeiro entre os jovens de 16 a 24 anos,
faixa em que aparece em quarto lugar na preferência – atrás de funk, pop e
rap”, ressaltou Leiva.
Realizada entre os dias 19 de fevereiro e 22 de maio de
2024, a pesquisa ouviu 19,5 mil pessoas com idade acima de 16 anos nas 26
capitais brasileiras e no Distrito Federal.
Diversão fora de casa
De acordo com a pesquisa, embora os cinemas sejam a
principal atividade cultural fora de casa, menos da metade dos entrevistados
(48% do total) esteve em uma sala de cinema nos 12 meses anteriores à pesquisa.
Outra curiosidade apontada pelo estudo é que um terço das pessoas consultadas
(36%) nunca visitou um museu e dois em cada cinco (38%) jamais assistiram a uma
peça teatral.
“É comum que as atividades culturais que podem ser feitas em
casa, ou em quase todos os lugares, sejam as mais citadas. Afinal, um dos
fatores que influenciam o acesso é a distribuição dos espaços culturais. Não
por acaso, na pesquisa Cultura nas Capitais o maior acesso é a livros (62%) e
jogos eletrônicos (51%), que não dependem de deslocamento”, disse Leiva.
Segundo Leiva, o consumo de atividades culturais recuou
entre os anos de 2017 e 2024, com exceção dos jogos eletrônicos. A queda
ocorreu na grande maioria dos grupos sociais, tendo sido maior entre os homens,
indígenas e pardos. Para Leiva, uma das explicações para a queda no consumo foi
a pandemia de covid-19.
“A pandemia teve vários efeitos simultâneos sobre o mercado
cultural: mudança de hábito das pessoas, aceleração das práticas online,
possível insegurança de ir a espaços fechados e redução na produção cultural,
ainda que temporária. Parte da população que viveu confinada durante um período
razoável de tempo pode ter se acostumado a ficar em casa, desenvolvendo outros
hábitos domésticos, inclusive culturais, mas feitos em casa. A pandemia também
incrementou o acesso a conteúdos culturais online, o que pode ter facilitado e
acelerado a mudança de hábito”, explicou.
Além disso, acrescentou Leiva, a pandemia implicou a perda
de renda para alguns setores sociais, o que contribuiu para a redução no
acesso.
Apesar disso, a pesquisa mostra que há potencial para
crescimento, já que os entrevistados que disseram não ter ido a shows musicais,
festas populares, museus e espetáculos de teatro e de dança recentemente
disseram que têm muito interesse em ir a esses eventos.
“[A pesquisa] Cultura nas Capitais perguntou a todos os
entrevistados qual é, de 0 a 10, seu interesse em ir a cada uma das seguintes
manifestações: shows de música, festas populares, museus, teatro e dança. Os
entrevistados que não foram a essas atividades, mas deram nota 8, 9 ou 10 para
seu interesse em ir, formam o que está sendo chamado de público potencial. Fica
claro que, se essas pessoas de fato fossem, o acesso a algumas atividades
dobraria”, explicou.
Perfil
Em geral, as pessoas que mais frequentam ou participam de
atividades culturais no país são brancas, jovens, têm mais escolaridade e
melhor condição econômica. “O acesso à cultura reproduz boa parte dos padrões
de exclusão socioeconômicos do país. Os que mais vão a atividades culturais são
pessoas de maior nível educacional, maior renda e os jovens e pessoas de meia
idade, até os 45 anos. Em geral, essas pessoas compõem a minoria da população que
vive nos bairros mais ricos de nossas cidades”, afirmou Leiva.
Homens e mulheres, quase igualmente, têm a mesma
participação nesses eventos. As mulheres, no entanto, são as que demonstram
mais interesse em participar de atividades culturais, porém são as que
encontram mais barreiras para transformar o desejo em acesso. As donas de casa,
por exemplo, representam o grupo com menos acesso a atividades culturais.
Os idosos, por sua vez, são a maior parte dos excluídos
culturalmente: a maioria deles informou não ter ido a nenhuma atividade
cultural em 12 meses. Além disso, eles compõem a principal faixa etária que
declarou nunca ter ido a uma atividade cultural.
Segundo o estudo, isso pode ser explicado pelo fato de que
as gerações mais velhas tiveram menos acesso à educação no passado e, como a
educação é um fator crítico para o acesso à renda e maior diversidade de
atividades culturais, eles provavelmente cresceram com menos interesse pela
cultura. Leiva disse que outro fator que pode explicar isso é o fato dos idosos
geralmente morarem em áreas mais distantes dos locais onde se concentra a maior
oferta de equipamentos culturais.
Escolaridade e renda
A escolaridade é um dos principais fatores associados à
cultura. Quanto mais alta a escolaridade, maior o acesso à cultura, revelou o
levantamento. Isso vale tanto para a leitura de livros quanto para videogame ou
circo. A diferença é mais importante no acesso a concertos de música clássica,
museus, saraus, teatro, bibliotecas e cinema. Enquanto 9% das pessoas com ensino
fundamental foram ao teatro, o percentual vai a 40% para quem tem ensino
superior. No caso do circo, o percentual é de 9% para quem tem ensino
fundamental e de 17% entre quem tem ensino superior.
Quando se considera a classe econômica, as diferenças de
acesso entre as classes A e D/E são maiores, no caso de concertos, teatro e
museus, e menores no caso de festas populares, circo, leitura e jogos
eletrônicos. A pesquisa mostra que 3% das pessoas das classes D/E foram a
concertos, enquanto 20% dos respondentes da classe A disseram ter ido à mesma
atividade. Para a leitura, o percentual é de 41% para as classes D/E e de 81%
para a classe A.
Para Leiva, mais educação e melhor distribuição de renda
poderiam ampliar o acesso e o interesse pela cultura no país. “Quanto maior o
número de pessoas com ensino superior, maior será o acesso a praticamente todas
as atividades culturais. Quanto maior a renda, maior a possibilidade de uma
pessoa ir ao cinema, ao teatro, a museus. E isso também pode aumentar a frequência
a atividades que a pessoa já pratica, mas com limitações”, acrescentou.
Na opinião do pesquisador, também é importante desenvolver
ações voltadas aos extratos da população menos atendidos e descentralizar a
distribuição dos equipamentos culturais e de lazer pelas cidades, que
geralmente se concentradas em áreas mais ricas. “Oferecer oportunidades perto
de onde as pessoas vivem é fundamental. A falta de uma melhor distribuição
limita o acesso das pessoas”, afirmou Leiva.