Oito em cada dez trabalhadores e trabalhadoras com
deficiência ou neurodivergência que estão empregados avaliam que a maioria das
empresas está despreparada para recebê-los em seu quadro funcional. O dado foi
obtido para constar na pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade
de Pessoas com Deficiência”, do Pacto Global, iniciativa da Organização das
Nações Unidas (ONU), da empresa Talento Incluir, do Instituto Locomotiva e da
iO Diversidade.
No total 1.230 pessoas com 18 anos ou mais e que se
declaram neurodivergentes ou têm alguma deficiência participaram do
levantamento, feito entre 20 de outubro e 3 de novembro de 2024. Outra
proporção significativa, também apurada no âmbito da pesquisa, foi a de pessoas
que preferem trabalhar em modelo remoto ou híbrido, ou seja, que mescla
expedientes presenciais e remotos. A parcela é de 71% nesse caso, superior à
dos que já têm essa rotina atualmente, de 58%.
Ter autorização da chefia para poder trabalhar de casa
pode ser fundamental para alguns trabalhadores e trabalhadoras que já disponham
de mesas, cadeiras, softwares ou outros itens que auxiliem no cumprimento de
suas tarefas. Isso porque muitas vezes não têm o básico no local de trabalho.
Na rede social X, um usuário cadeirante e que busca
descomplicar as discussões sobre deficiência relata que já foi selecionado para
uma vaga de emprego e logo depois dispensado pelo potencial empregador. A razão
foi que, embora seu currículo de advogado fosse ideal para o escritório ao qual
se candidatou, sua cadeira de rodas não passava entre os batentes da porta do
banheiro.
A pesquisa divulgada mostra que um terço dos respondentes
(33%) afirma que seu ambiente de trabalho não é devidamente adaptado a eles.
Além disso, praticamente todos os participantes disseram que se apresentam,
durante um processo seletivo, como pessoas com deficiência ou neurodivergência,
o que pode deixar implícitas duas coisas: que uma parcela ainda não se sente
confortável para se declarar como tal, talvez por medo de perder a vaga, ou não
se descobriu assim, por minimizar deficiências, considerando que não
precisariam ser mencionadas, ou por não ter confirmado um diagnóstico ou
desconhecer condições de saúde que se encaixam nessa classificação.
Entre os diagnósticos que estão no grupo das
neurodivergências estão o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade
(TDAH), transtorno do espectro autista (TEA), transtorno afetivo bipolar, altas
habilidades, entre outros. É comum que quem tem TDAH, por exemplo, seja
erroneamente tachada de pessoa sem interesse pelos estudos ou pelo trabalho,
quando, na realidade, tem um modo singular de se concentrar em suas tarefas,
que deve ser observado e respeitado.
O levantamento ainda destaca que, para um quarto dos
respondentes, a existência de programas de inclusão e acessibilidade nas
empresas é um fator determinante na tomada de decisões profissionais. Ao buscar
emprego, quase metade deles (47%) escolheria ou iria preferir vagas exclusivas
para pessoas com deficiência ou neurodivergência, enquanto a maioria (49%) se
candidataria para qualquer vaga.
A diretora Lia Calder, da companhia 4CO, que presta
serviços de consolidação de ações de diversidade e inclusão e elabora
publicações sobre o assunto, diz que, apesar de o Brasil contar com uma
política, desde 1991, que visa implementar medidas nas empresas com mais de 100
funcionários, não houve tantos avanços. Na prática, o que se observa é um
cenário ainda distante do ideal, que não tem sido transformado nem mesmo pelas
leis vigentes no país.
Segundo a especialista, algo revelador sobre a
mentalidade do empresariado brasileiro em geral é o fato de que prefere ficar
suscetível a denúncias do Ministério Público do Trabalho (MPT), que podem se
desdobrar em processos judiciais que impõem penalidades, a fazer o que é
preciso, já que é ele quem deve se adaptar aos funcionários com deficiência ou
neurodivergência e não o contrário. "E onde estão as pessoas com
deficiência dentro das organizações? Em geral, nos cargos de base. São pessoas
que entram pela base da pirâmide hierárquica e ali se mantêm fazendo as mesmas
funções por 10, 15, 20 anos. Isso mostra que não existe um comprometimento por
parte das organizações em relação ao desenvolvimento profissional dessas
pessoas", comenta Lia, que também é professora na área de diversidade e
inclusão.
A diretora lembra que tudo isso são barreiras e
comprovações de que o Brasil não está cumprindo o que foi acordado em 2008.
Naquele ano, Convenção sobre as Pessoas com Deficiência, da ONU, foi aprovada
pelo Congresso Nacional e passou, em agosto de 2009, a fazer parte da
Constituição Federal. Com o dispositivo, explica Lia, o que se sinalizou foi
que derrubar tais obstáculos é responsabilidade compartilhada entre sociedade e
organizações.
"E elas são, muitas vezes, o que acho mais
problemático, naturalizadas. Quando a gente vai a um ambiente, tem por natural
que ele não seja acessível. Quando a gente está lidando com o ambiente de
trabalho e não consegue se comunicar com um colega, é natural que não
consiga", diz.
"A gente tem por natural que não consiga conviver,
se comunicar ou desenvolver essas pessoas com deficiência e neurodivergentes. E
é essa naturalização que continua replicando e propagando essa exclusão muito
triste e aterrorizante dentro do ambiente organizacional", critica.
Dados do IBGE
Apenas muito recentemente, em 2023, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reuniu e divulgou dados
específicos sobre pessoas com deficiência. A Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) evidencia a discrepância entre a porcentagem de pessoas com
deficiência que estão empregadas e as que não têm deficiência e também
trabalham. É 26,6% contra 60,7%.
O IBGE aponta, ainda, que cerca de 55% das pessoas com
deficiência que trabalham estão em situação de informalidade, ou seja, não têm
carteira assinada. Seu rendimento médio é R$ 1.860, enquanto o de pessoas sem
deficiência é R$ 2.690, uma diferença de 30%.